quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Curiosidades sobre as cefaléias

As cefaléias são uma das principais razões para procura médica em todo o mundo, sendo responsáveis por 20% das consultas neurológicas ambulatoriais. Os dias perdidos de trabalho e escola causados por cefaléias são um problema enorme para as economias nacionais. O seu tratamento, ao contrário do que se imagina, é bastante difícil. Quando um paciente não melhora adequadamente após um tratamento, é importante identificar as razões para o insucesso. Nos pacientes refratários ao tratamento, nós devemos analisar os seguintes fatores antes de iniciar uma nova tentativa:
O diagnóstico está incompleto ou incorreto
Uma segunda cefaléia diferente da tratada está presente concomitantemente.
O diagnóstico da cefaléia tratada está errado.
Fatores exacerbantes ou desencadeantes não foram considerados
Abuso de analgésicos comuns
Abuso de cafeína
Ingestão de certos alimentos
Estilo de vida
Fatores psicossociais
Os medicamentos não foram adequados
Droga inefetiva
Dose inicial excessiva
Dose final inadequada
Duração inadequada do tratamento
Mal-absorção do medicamento
Falta de aderência ao tratamento
Tratamento não-medicamentoso inadequado
Fisioterapia
Terapia cognitiva e comportamental
Outros fatores
Expectativa exagerada quanto ao sucesso do tratamento
Doenças concomitantes
Nós reconhecemos que alguns pacientes irão permanecer refratários ao tratamento mesmo após todas estas medidas serem adotadas, entretanto, certamente serão minoria. Vamos analisar cada fator individualmente.

O diagnóstico está incorreto ou incompleto

Essa talvez seja a razão mais comum para o insucesso terapêutico das cefaléias. Isso pode ocorrer de três maneiras: uma cefaléia secundária (que tem uma causa estrutural) está presente e não foi diagnosticada, uma cefaléia primária foi incorretamente diagnosticada ou dois tipos de cefaléia estão presentes no mesmo paciente e somente uma está sendo tratada.
Os pacientes com cefaléia crônica “intratável” freqüentemente acham que seus médicos deixaram de diagnosticar alguma doença grave. O uso errado de medicamentos, causando cefaléia crônica de rebote é provavelmente a causa mais freqüente de intratabilidade. Nós discutiremos isto no item fatores exacerbantes. As causas mais freqüentes de cefaléias secundárias são a arterite temporal, disseção da artéria carótida, hipertensão intracraniana idiopática, hipotensão intracraniana, tumores do sistema nervoso central, sinusite esfenoidal crônica, carcinoma de nasofaringe, doenças metabólicas e infecção crônica. Detecção destas doenças merece uma abordagem minuciosa dos sintomas e sinais obtidos no exame clínico, além de um alto grau de suspeita.
O perfil temporal da cefaléia, assim como sua natureza e circunstâncias de início são cruciais para o diagnóstico. Uma cefaléia de início rápido pode sugerir uma hemorragia subaracnóide (ruptura de aneurisma), apoplexia pituitária (sangramento da hipófise), ou outras catástrofes intracranianas. Cefaléias de início agudo também podem representar enxaqueca. Sinusite esfenoidal também pode causar cefaléia sub-aguda intratável e pode ficar sem diagnóstico, a menos que estudos radiológicos especiais (tomografia computadorizada) para visualizar o seio esfenóide sejam realizados.
A idade de início da cefaléia também é importante, desde que as cefaléias que iniciam após os 55 anos têm maior chance de serem secundárias, causadas por tumores ou arterite temporal. Esta última é freqüentemente não diagnosticada, sendo importante causa de cegueira em idosos.
Cefaléias que ocorrem no período peri-parto podem ser causadas por trombose venosa cerebral. Febre sugere uma etiologia infecciosa. Cefaléia ortostática (piora quando o paciente está em pé e melhora com a posição deitada) sugere hipotensão intracraniana, causada por fístula liquórica ou punção lombar prévia. Cefaléias exacerbadas por tosse, espirros ou evacuação sugerem doenças da junção occipito-cervical ou hipertensão intracraniana. Entretanto, enxaqueca é a causa mais freqüente de cefaléia que piora com exercício. Cefaléias induzidas por exercício físico podem representar uma forma benigna conhecida como cefaléias exercional benigna ou podem representar uma rara variante de angina (obstrução das artérias coronárias). Cefaléias que são piores pela manhã podem ser secundárias à hipertensão intracraniana. Algumas vezes, cefaléias que são piores logo ao despertar, sugerem apnéia obstrutiva do sono, principalmente se roncos noturnos e sonolência diurna estiverem presentes. Rash de pele ou artralgias podem sugerir síndrome dos anticorpos antifosfolípides. Fatores de risco para infecção por HIV devem ser pesquisados, pois tanto o vírus HIV como infecções oportunistas (toxoplasmose, meningite criptocócica, etc) podem causar cefaléia. História prévia de trauma de crânio, mesmo que remota, pode causar cefaléia (cefaléia pós-traumática) por mecanismos ainda não perfeitamente entendidos, mais provavelmente relacionados com transtornos do humor (depressão, ansiedade). História de epilepsia e cefaléia concomitantemente, excluindo as cefaléias pós-ictais (após as crises), sugere a presença de malformações vasculares intracranianas.
Procedimentos dentários devem ser revisados. Tratamentos de canal, extrações dentárias, distúrbios da mordida e disfunções da articulação temporomandibular podem estar associados com cefaléia. Glaucoma de ângulo estreito sempre deve ser considerado se a dor é aguda e periocular. Drenagem nasal de secreção purulenta e obstrução nasal sugerem sinusopatia aguda.
Muitos pacientes com cefaléias intratáveis têm diversos exames de imagem realizados e nenhuma causa para a cefaléia é detectada. Algumas áreas freqüentemente envolvidas com cefaléia e não rotineiramente vistas nos estudos de imagem são a junção occipito-cervical, a sela túrcica, o seio esfenóide e a nasofaringe. A tomografia de crânio pode não fornecer uma boa imagem do seio esfenóide. Quando houver suspeita de sinusite esfenoidal, o radiologista deve ser informado para que incidências especiais para o seio esfenóide possam ser realizadas.
Pacientes com cefaléia unilateral e hemiparesia contralateral devem ser avaliados para a presença de disseccão da artéria carótida. Cefaléia de início súbito pode ser a única manifestação de dissecção, principalmente se for acompanhada de síndrome de Horner (ptose e miose unilateral) ou zumbido doloroso. Se uma vasculite do SNC for suspeitada, uma arteriografia cerebral pode ser necessária.
Uma punção lombar pode ser necessária para detectar alterações inflamatórias ou infecciosas que podem indicar meningite asséptica ou infecciosa, assim como hipertensão intracraniana idiopática (sempre medir a pressão de abertura do liquor). Uma tomografia sempre deve ser realizada antes da punção lombar para evitar complicações tais como herniações transtentorias e de amígdalas cerebelares. Cisternografia ou mielografia por tomografia computadorizada é o exame de escolha quando uma fístula líquórica é suspeitada (hipotensão intracraniana). Nestes casos, a puncão lombar deve ser evitada, pois pode piorar os sintomas.
Diagnóstico errado da cefaléia também é uma causa importante de falha terapêutica. As cefaléias que freqüentemente são esquecidas e diagnosticadas erroneamente como enxaqueca ou cefaléia tensional são: hemicrânia continua, hemicrânia paroxística crônica e cefaléia hípnica.
A hemicrânia contínua caracteriza-se por dor inilateral crônica. É freqüentemente confundida com enxaqueca transformada. Ambas apresentam dor unilateral crônica com exacerbações episódicas. Na hemicrânia continua, as exacerbações dolorosas são acompanhadas por disfunção autonômica como lacrimejamento, congestão ocular e ptose palpebral. Na enxaqueca transformada, as exacerbações são mais tipicamente acompanhadas por náuseas, fotofobia e fonofobia. Além disso, pacientes com hemicrânia continua não têm história pregressa de enxaqueca episódica. Na enxaqueca transformada, os ataques de cefaléia aumentam progressivamente até serem contínuos. Quando houver dúvida entre os dois diagnósticos, é aconselhável tratar o paciente com indometacina, que apresenta excelentes resultados na hemicrânia contínua.
A hemicrânia paroxística crônica é ocasionalmente confundia com cefaléia em salvas. Ambas as doenças são caracterizadas por ataques de dor unilateral, de forte intensidade e de curta duração. Ambas apresentam sintomas autonômicos oculares unilateralmente. Ambas podem ser episódicas ou crônicas. Ao contrário da cefaléia em salvas, que predomina em homens, a hemicrânia paroxística crônica afeta mais as mulheres, tem duração mais curta e apresenta mais crises diárias. A hemicrânia paroxística também tem grande melhora com indometacina, o que não ocorre com a cefaléia em salvas. A resposta à indometacina pode demorar uma ou duas semanas para ocorrer.
A cefaléia hípnica é uma condição quase exclusivamente de idosos, geralmente ocorrendo em pessoas com mais de 60 anos. Assim como a cefaléia em salvas, ela caracteriza-se por crises de curta duração (menos de 30 minutos), de dor de cabeça noturna, que desperta o paciente do sono em um horário constante, quase todas as noites. Acontece mais freqüentemente durante o sono REM (movimentos rápidos dos olhos). Ao contrário da cefaléia em salvas, a cefaléia hípnica é geralmente bilateral, porém pode ser unilateral e menos intensa que a cefaléia em salvas. Além disso, não apresenta os sintomas autonômicos característicos da cefaléia em salvas. Esta cefaléia responde prontamente a doses baixas de carbonato de lítio antes de deitar. Quando esta droga não funciona, melatonina, cafeína ou verapamil podem ser efetivos.
O tratamento da cefaléia também pode falhar quando dois ou mais diferentes tipos de cefaléia ocorrem no mesmo paciente concomitantemente e uma delas não é identificada e tratada. Um exemplo é a associação bem reconhecida entre neuralgia do trigêmio e cefaléia em salvas (cluster-tic syndrome). Outro exemplo é a associação entre enxaqueca e cefaléia idiopática em facadas. Os pacientes geralmente não conseguem definir que são dois tipos diferentes de dor. Para eles, elas representam a mesma doença. Além disso, em pacientes com cefaléias primárias (enxaqueca, cefaléia tensional, cefaléia em salvas) pode ser difícil identificar um evento infeccioso ou metabólico causando dor de cabeça, assim como eventos catastróficos agudos como ruptura de aneurisma ou meningite bacteriana podem ser confundidos com mais uma crise forte de enxaqueca.

Importantes fatores exacerbantes ou desencadeantes

Abuso de medicamentos analgésicos é de longe a principal causa de cefaléia crônica intratável. Alem disso, abuso de cafeína, certos alimentos, alterações hormonais, fatores psicossociais e uso de medicamentos que podem induzir cefaléia (nitratos para angina do peito) podem dificultar o tratamento e contribuir para o insucesso.
Os medicamentos analgésicos que podem piorar a cefaléia se usados cronicamente podem ser os mais comuns vendidos nas farmácias sem receita médica como a aspirina, a dipirona e o paracetamol, assim como os mais específicos como os ergotamínicos e triptanos. Não podemos deixar de falar sobre o uso abusivo de narcóticos, que não deveriam ser prescritos para cefaléia, pois além do risco de piorarem a dor, tem potencial para dependência. O abuso de cafeína, em medicamentos e na dieta (café, refrigerantes, chocolate) é um importante fator desencadeante de cefaléia crônica em pacientes predispostos.
Fatores hormonais podem desencadear cefaléia crônica e contribuem para a intratabilidade. A queda dos níveis de estrogênio contribui para a maior freqüência de crises de enxaqueca durante a menstruação. A flutuação dos níveis de estrogênio no período que antecede a menopausa, também provoca piora das crises de enxaqueca. O uso de anticoncepcionais freqüentemente piora as crises de enxaqueca e pode ser motivo de cronificação. Não podemos negligenciar o fato de uma mulher com enxaqueca, fumante e usuária de anticoncepcionais ter sua chance de um acidente vascular cerebral multiplicado várias vezes.
Hábitos dietéticos e estilo de vida podem ter papel importante na freqüência da cefaléia. Eventos estressantes como morte de familiares, separação ou problemas com os filhos são fatores importantes de piora da cefaléia. O uso de álcool, especialmente vinho tinto, pode desencadear crises de cefaléia.
Uma história de múltiplos parceiros sexuais deveria prontamente indicar uma causa infecciosa para a dor, incluindo a síndrome da imunodeficiência adquirida (aids).
Apnéia do sono é uma causa freqüente de cefaléia matinal na meia idade, particularmente em pacientes que roncam a noite, são obesos e têm hipersonolência diurna.
Depressão e ansiedade são causas comuns de cefaléia crônica e devem ser suspeitadas em todos os pacientes com refratariedade ao tratamento.
Muitos alimentos podem provocar crises de enxaqueca em pacientes predispostos, incluindo aspartame (adoçantes), chocolate, queijo, shoyo, embutidos, etc.
Alguns medicamentos podem desencadear crises de cefaléia, incluindo amantadina, bloqueadores dos canais de cálcio, cafeína, corticosteróides, ciclofosfamida, dipiridamol, estrogênios, hidralazina, indometacina, levodopa, inibidores da MAO, anti-inflamatórios, nitratos, fenotiazina, ranitidina, tamoxifeno, anfetaminas, aminofilina, tetraciclina, bactrim.

Os medicamentos utilizados podem estar inadequados

A farmacoterapia pode estar inadequada se o diagnóstico estiver errado, se a dose inicial for excessiva, se a dose final é inadequada, se a duração do tratamento é muito curta, se a absorção do medicamento não for adequada e se o paciente não adere ao tratamento corretamente.
Quando um paciente refere insucesso do tratamento de sua cefaléia, vários fatores têm que ser levados em conta para a correta avaliação do problema. Não houve resposta ou ela foi incompleta? A melhora demorou muito para ocorrer ou não ocorreu? A dor melhorou inicialmente e depois recorreu? O tratamento causou muitos efeitos colaterais?
A estratégia mais eficiente é tratar uma crise de cefaléia o mais rápido possível após o inicio da crise. Tanto os analgésicos comuns, como a ergotamina como os triptanos funcionam melhor quando dados precocemente, e de preferência com metoclopramida, bromoprida ou domperidona, pois o esvaziamento gástrico está retardado na enxaqueca e a absorção destes medicamentos pode ser incompleta. Destas drogas, os triptanos têm a melhor resposta para as crises de enxaqueca. Para os pacientes que não respondem aos medicamentos orais associados a um pró-cinético podem ser candidatos às apresentações nasais, sublinguais e subcutâneas dos triptanos. Pacientes que não respondem a um triptano podem responder muito bem a outro triptano. Portanto várias opções devem ser tentadas até se dizer que a droga é ineficaz. O triptano que age mais rapidamente é o rizatriptano (Maxalt) e aquele associado com menor índice de recorrência é o naratriptano (Naramig). Usar um antiinflamatório associado ao triptano pode ser uma boa estratégia nos pacientes que não respondem completamente aos triptanos isoladamente.
Quando a cefaléia é muito freqüente, tratamento preventivo está indicado. Falhas no tratamento profilático freqüentemente estão associadas à erro na dose dos medicamentos ou duração do tratamento. Pelo menos várias semanas são necessárias para avaliar o sucesso ou a falência de um tratamento preventivo. Propranolol de ação curta tomado apenas uma vez ao dia não é efetivo. A dose efetiva deve ser tomada antes de considerar o tratamento ineficaz. Além disso, nenhum tratamento profilático é efetivo se o paciente estiver abusando de analgésicos.
Embora a monoterapia seja recomendada para o tratamento profilático, em algumas situações pode ser necessário ou adequado acrescentar uma ou mais medicações ao esquema terapêutico. Em pacientes deprimidos ou ansiosos com enxaqueca, o uso de antidepressivos tricíclicos é a primeira opção, mas a associação com divalproato de sódio pode ser benéfica. Deve-se tomar o cuidado de causar sobrepeso, pois estas duas medicações aumentam o peso. Bloqueadores dos canais de cálcio são particularmente úteis no controle de crises de cefaléia em salvas intratáveis.
Pacientes não aderentes ao tratamento das crises ou ao profilático são comuns. Como os ataques de enxaqueca são episódicos, a motivação para tomar medicamentos diariamente pode ser baixa entre os ataques. Deve-se explicar ao paciente a importância do tratamento continuo para o sucesso no controle das crises. Ressaltar que os efeitos colaterais diminuem com o tempo também melhora a aderência.

O tratamento não farmacológico pode ser inadequado e outros fatores

Pacientes tensos algumas vezes necessitam tratamento fisioterápico (biofeedback) e terapia cognitiva e comportamental com um psicólogo.
O tratamento pode falhar se o paciente tem falsas expectativas em relação ao tratamento. Por exemplo, pacientes com cefaléia crônica diária podem achar que duas crises por mês signifiquem falha terapêutica, apesar de ser um ótimo resultado do ponto de vista médico.
A enxaqueca apresenta várias comorbidades (doenças que ocorrem associadamente em pacientes com enxaqueca numa freqüência bem maior que ao acaso). Depressão, ansiedade, doenças cerebrovasculares e epilepsia são todas comórbidas à enxaqueca. O tratamento da enxaqueca em pacientes deprimidos é bem mais complicado. O objetivo é tratar ambas as doenças com uma única droga. Os antidepressivos tricíclicos são as drogas de escolha nestes casos.

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