quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Curiosidades sobre as cefaléias

As cefaléias são uma das principais razões para procura médica em todo o mundo, sendo responsáveis por 20% das consultas neurológicas ambulatoriais. Os dias perdidos de trabalho e escola causados por cefaléias são um problema enorme para as economias nacionais. O seu tratamento, ao contrário do que se imagina, é bastante difícil. Quando um paciente não melhora adequadamente após um tratamento, é importante identificar as razões para o insucesso. Nos pacientes refratários ao tratamento, nós devemos analisar os seguintes fatores antes de iniciar uma nova tentativa:
O diagnóstico está incompleto ou incorreto
Uma segunda cefaléia diferente da tratada está presente concomitantemente.
O diagnóstico da cefaléia tratada está errado.
Fatores exacerbantes ou desencadeantes não foram considerados
Abuso de analgésicos comuns
Abuso de cafeína
Ingestão de certos alimentos
Estilo de vida
Fatores psicossociais
Os medicamentos não foram adequados
Droga inefetiva
Dose inicial excessiva
Dose final inadequada
Duração inadequada do tratamento
Mal-absorção do medicamento
Falta de aderência ao tratamento
Tratamento não-medicamentoso inadequado
Fisioterapia
Terapia cognitiva e comportamental
Outros fatores
Expectativa exagerada quanto ao sucesso do tratamento
Doenças concomitantes
Nós reconhecemos que alguns pacientes irão permanecer refratários ao tratamento mesmo após todas estas medidas serem adotadas, entretanto, certamente serão minoria. Vamos analisar cada fator individualmente.

O diagnóstico está incorreto ou incompleto

Essa talvez seja a razão mais comum para o insucesso terapêutico das cefaléias. Isso pode ocorrer de três maneiras: uma cefaléia secundária (que tem uma causa estrutural) está presente e não foi diagnosticada, uma cefaléia primária foi incorretamente diagnosticada ou dois tipos de cefaléia estão presentes no mesmo paciente e somente uma está sendo tratada.
Os pacientes com cefaléia crônica “intratável” freqüentemente acham que seus médicos deixaram de diagnosticar alguma doença grave. O uso errado de medicamentos, causando cefaléia crônica de rebote é provavelmente a causa mais freqüente de intratabilidade. Nós discutiremos isto no item fatores exacerbantes. As causas mais freqüentes de cefaléias secundárias são a arterite temporal, disseção da artéria carótida, hipertensão intracraniana idiopática, hipotensão intracraniana, tumores do sistema nervoso central, sinusite esfenoidal crônica, carcinoma de nasofaringe, doenças metabólicas e infecção crônica. Detecção destas doenças merece uma abordagem minuciosa dos sintomas e sinais obtidos no exame clínico, além de um alto grau de suspeita.
O perfil temporal da cefaléia, assim como sua natureza e circunstâncias de início são cruciais para o diagnóstico. Uma cefaléia de início rápido pode sugerir uma hemorragia subaracnóide (ruptura de aneurisma), apoplexia pituitária (sangramento da hipófise), ou outras catástrofes intracranianas. Cefaléias de início agudo também podem representar enxaqueca. Sinusite esfenoidal também pode causar cefaléia sub-aguda intratável e pode ficar sem diagnóstico, a menos que estudos radiológicos especiais (tomografia computadorizada) para visualizar o seio esfenóide sejam realizados.
A idade de início da cefaléia também é importante, desde que as cefaléias que iniciam após os 55 anos têm maior chance de serem secundárias, causadas por tumores ou arterite temporal. Esta última é freqüentemente não diagnosticada, sendo importante causa de cegueira em idosos.
Cefaléias que ocorrem no período peri-parto podem ser causadas por trombose venosa cerebral. Febre sugere uma etiologia infecciosa. Cefaléia ortostática (piora quando o paciente está em pé e melhora com a posição deitada) sugere hipotensão intracraniana, causada por fístula liquórica ou punção lombar prévia. Cefaléias exacerbadas por tosse, espirros ou evacuação sugerem doenças da junção occipito-cervical ou hipertensão intracraniana. Entretanto, enxaqueca é a causa mais freqüente de cefaléia que piora com exercício. Cefaléias induzidas por exercício físico podem representar uma forma benigna conhecida como cefaléias exercional benigna ou podem representar uma rara variante de angina (obstrução das artérias coronárias). Cefaléias que são piores pela manhã podem ser secundárias à hipertensão intracraniana. Algumas vezes, cefaléias que são piores logo ao despertar, sugerem apnéia obstrutiva do sono, principalmente se roncos noturnos e sonolência diurna estiverem presentes. Rash de pele ou artralgias podem sugerir síndrome dos anticorpos antifosfolípides. Fatores de risco para infecção por HIV devem ser pesquisados, pois tanto o vírus HIV como infecções oportunistas (toxoplasmose, meningite criptocócica, etc) podem causar cefaléia. História prévia de trauma de crânio, mesmo que remota, pode causar cefaléia (cefaléia pós-traumática) por mecanismos ainda não perfeitamente entendidos, mais provavelmente relacionados com transtornos do humor (depressão, ansiedade). História de epilepsia e cefaléia concomitantemente, excluindo as cefaléias pós-ictais (após as crises), sugere a presença de malformações vasculares intracranianas.
Procedimentos dentários devem ser revisados. Tratamentos de canal, extrações dentárias, distúrbios da mordida e disfunções da articulação temporomandibular podem estar associados com cefaléia. Glaucoma de ângulo estreito sempre deve ser considerado se a dor é aguda e periocular. Drenagem nasal de secreção purulenta e obstrução nasal sugerem sinusopatia aguda.
Muitos pacientes com cefaléias intratáveis têm diversos exames de imagem realizados e nenhuma causa para a cefaléia é detectada. Algumas áreas freqüentemente envolvidas com cefaléia e não rotineiramente vistas nos estudos de imagem são a junção occipito-cervical, a sela túrcica, o seio esfenóide e a nasofaringe. A tomografia de crânio pode não fornecer uma boa imagem do seio esfenóide. Quando houver suspeita de sinusite esfenoidal, o radiologista deve ser informado para que incidências especiais para o seio esfenóide possam ser realizadas.
Pacientes com cefaléia unilateral e hemiparesia contralateral devem ser avaliados para a presença de disseccão da artéria carótida. Cefaléia de início súbito pode ser a única manifestação de dissecção, principalmente se for acompanhada de síndrome de Horner (ptose e miose unilateral) ou zumbido doloroso. Se uma vasculite do SNC for suspeitada, uma arteriografia cerebral pode ser necessária.
Uma punção lombar pode ser necessária para detectar alterações inflamatórias ou infecciosas que podem indicar meningite asséptica ou infecciosa, assim como hipertensão intracraniana idiopática (sempre medir a pressão de abertura do liquor). Uma tomografia sempre deve ser realizada antes da punção lombar para evitar complicações tais como herniações transtentorias e de amígdalas cerebelares. Cisternografia ou mielografia por tomografia computadorizada é o exame de escolha quando uma fístula líquórica é suspeitada (hipotensão intracraniana). Nestes casos, a puncão lombar deve ser evitada, pois pode piorar os sintomas.
Diagnóstico errado da cefaléia também é uma causa importante de falha terapêutica. As cefaléias que freqüentemente são esquecidas e diagnosticadas erroneamente como enxaqueca ou cefaléia tensional são: hemicrânia continua, hemicrânia paroxística crônica e cefaléia hípnica.
A hemicrânia contínua caracteriza-se por dor inilateral crônica. É freqüentemente confundida com enxaqueca transformada. Ambas apresentam dor unilateral crônica com exacerbações episódicas. Na hemicrânia continua, as exacerbações dolorosas são acompanhadas por disfunção autonômica como lacrimejamento, congestão ocular e ptose palpebral. Na enxaqueca transformada, as exacerbações são mais tipicamente acompanhadas por náuseas, fotofobia e fonofobia. Além disso, pacientes com hemicrânia continua não têm história pregressa de enxaqueca episódica. Na enxaqueca transformada, os ataques de cefaléia aumentam progressivamente até serem contínuos. Quando houver dúvida entre os dois diagnósticos, é aconselhável tratar o paciente com indometacina, que apresenta excelentes resultados na hemicrânia contínua.
A hemicrânia paroxística crônica é ocasionalmente confundia com cefaléia em salvas. Ambas as doenças são caracterizadas por ataques de dor unilateral, de forte intensidade e de curta duração. Ambas apresentam sintomas autonômicos oculares unilateralmente. Ambas podem ser episódicas ou crônicas. Ao contrário da cefaléia em salvas, que predomina em homens, a hemicrânia paroxística crônica afeta mais as mulheres, tem duração mais curta e apresenta mais crises diárias. A hemicrânia paroxística também tem grande melhora com indometacina, o que não ocorre com a cefaléia em salvas. A resposta à indometacina pode demorar uma ou duas semanas para ocorrer.
A cefaléia hípnica é uma condição quase exclusivamente de idosos, geralmente ocorrendo em pessoas com mais de 60 anos. Assim como a cefaléia em salvas, ela caracteriza-se por crises de curta duração (menos de 30 minutos), de dor de cabeça noturna, que desperta o paciente do sono em um horário constante, quase todas as noites. Acontece mais freqüentemente durante o sono REM (movimentos rápidos dos olhos). Ao contrário da cefaléia em salvas, a cefaléia hípnica é geralmente bilateral, porém pode ser unilateral e menos intensa que a cefaléia em salvas. Além disso, não apresenta os sintomas autonômicos característicos da cefaléia em salvas. Esta cefaléia responde prontamente a doses baixas de carbonato de lítio antes de deitar. Quando esta droga não funciona, melatonina, cafeína ou verapamil podem ser efetivos.
O tratamento da cefaléia também pode falhar quando dois ou mais diferentes tipos de cefaléia ocorrem no mesmo paciente concomitantemente e uma delas não é identificada e tratada. Um exemplo é a associação bem reconhecida entre neuralgia do trigêmio e cefaléia em salvas (cluster-tic syndrome). Outro exemplo é a associação entre enxaqueca e cefaléia idiopática em facadas. Os pacientes geralmente não conseguem definir que são dois tipos diferentes de dor. Para eles, elas representam a mesma doença. Além disso, em pacientes com cefaléias primárias (enxaqueca, cefaléia tensional, cefaléia em salvas) pode ser difícil identificar um evento infeccioso ou metabólico causando dor de cabeça, assim como eventos catastróficos agudos como ruptura de aneurisma ou meningite bacteriana podem ser confundidos com mais uma crise forte de enxaqueca.

Importantes fatores exacerbantes ou desencadeantes

Abuso de medicamentos analgésicos é de longe a principal causa de cefaléia crônica intratável. Alem disso, abuso de cafeína, certos alimentos, alterações hormonais, fatores psicossociais e uso de medicamentos que podem induzir cefaléia (nitratos para angina do peito) podem dificultar o tratamento e contribuir para o insucesso.
Os medicamentos analgésicos que podem piorar a cefaléia se usados cronicamente podem ser os mais comuns vendidos nas farmácias sem receita médica como a aspirina, a dipirona e o paracetamol, assim como os mais específicos como os ergotamínicos e triptanos. Não podemos deixar de falar sobre o uso abusivo de narcóticos, que não deveriam ser prescritos para cefaléia, pois além do risco de piorarem a dor, tem potencial para dependência. O abuso de cafeína, em medicamentos e na dieta (café, refrigerantes, chocolate) é um importante fator desencadeante de cefaléia crônica em pacientes predispostos.
Fatores hormonais podem desencadear cefaléia crônica e contribuem para a intratabilidade. A queda dos níveis de estrogênio contribui para a maior freqüência de crises de enxaqueca durante a menstruação. A flutuação dos níveis de estrogênio no período que antecede a menopausa, também provoca piora das crises de enxaqueca. O uso de anticoncepcionais freqüentemente piora as crises de enxaqueca e pode ser motivo de cronificação. Não podemos negligenciar o fato de uma mulher com enxaqueca, fumante e usuária de anticoncepcionais ter sua chance de um acidente vascular cerebral multiplicado várias vezes.
Hábitos dietéticos e estilo de vida podem ter papel importante na freqüência da cefaléia. Eventos estressantes como morte de familiares, separação ou problemas com os filhos são fatores importantes de piora da cefaléia. O uso de álcool, especialmente vinho tinto, pode desencadear crises de cefaléia.
Uma história de múltiplos parceiros sexuais deveria prontamente indicar uma causa infecciosa para a dor, incluindo a síndrome da imunodeficiência adquirida (aids).
Apnéia do sono é uma causa freqüente de cefaléia matinal na meia idade, particularmente em pacientes que roncam a noite, são obesos e têm hipersonolência diurna.
Depressão e ansiedade são causas comuns de cefaléia crônica e devem ser suspeitadas em todos os pacientes com refratariedade ao tratamento.
Muitos alimentos podem provocar crises de enxaqueca em pacientes predispostos, incluindo aspartame (adoçantes), chocolate, queijo, shoyo, embutidos, etc.
Alguns medicamentos podem desencadear crises de cefaléia, incluindo amantadina, bloqueadores dos canais de cálcio, cafeína, corticosteróides, ciclofosfamida, dipiridamol, estrogênios, hidralazina, indometacina, levodopa, inibidores da MAO, anti-inflamatórios, nitratos, fenotiazina, ranitidina, tamoxifeno, anfetaminas, aminofilina, tetraciclina, bactrim.

Os medicamentos utilizados podem estar inadequados

A farmacoterapia pode estar inadequada se o diagnóstico estiver errado, se a dose inicial for excessiva, se a dose final é inadequada, se a duração do tratamento é muito curta, se a absorção do medicamento não for adequada e se o paciente não adere ao tratamento corretamente.
Quando um paciente refere insucesso do tratamento de sua cefaléia, vários fatores têm que ser levados em conta para a correta avaliação do problema. Não houve resposta ou ela foi incompleta? A melhora demorou muito para ocorrer ou não ocorreu? A dor melhorou inicialmente e depois recorreu? O tratamento causou muitos efeitos colaterais?
A estratégia mais eficiente é tratar uma crise de cefaléia o mais rápido possível após o inicio da crise. Tanto os analgésicos comuns, como a ergotamina como os triptanos funcionam melhor quando dados precocemente, e de preferência com metoclopramida, bromoprida ou domperidona, pois o esvaziamento gástrico está retardado na enxaqueca e a absorção destes medicamentos pode ser incompleta. Destas drogas, os triptanos têm a melhor resposta para as crises de enxaqueca. Para os pacientes que não respondem aos medicamentos orais associados a um pró-cinético podem ser candidatos às apresentações nasais, sublinguais e subcutâneas dos triptanos. Pacientes que não respondem a um triptano podem responder muito bem a outro triptano. Portanto várias opções devem ser tentadas até se dizer que a droga é ineficaz. O triptano que age mais rapidamente é o rizatriptano (Maxalt) e aquele associado com menor índice de recorrência é o naratriptano (Naramig). Usar um antiinflamatório associado ao triptano pode ser uma boa estratégia nos pacientes que não respondem completamente aos triptanos isoladamente.
Quando a cefaléia é muito freqüente, tratamento preventivo está indicado. Falhas no tratamento profilático freqüentemente estão associadas à erro na dose dos medicamentos ou duração do tratamento. Pelo menos várias semanas são necessárias para avaliar o sucesso ou a falência de um tratamento preventivo. Propranolol de ação curta tomado apenas uma vez ao dia não é efetivo. A dose efetiva deve ser tomada antes de considerar o tratamento ineficaz. Além disso, nenhum tratamento profilático é efetivo se o paciente estiver abusando de analgésicos.
Embora a monoterapia seja recomendada para o tratamento profilático, em algumas situações pode ser necessário ou adequado acrescentar uma ou mais medicações ao esquema terapêutico. Em pacientes deprimidos ou ansiosos com enxaqueca, o uso de antidepressivos tricíclicos é a primeira opção, mas a associação com divalproato de sódio pode ser benéfica. Deve-se tomar o cuidado de causar sobrepeso, pois estas duas medicações aumentam o peso. Bloqueadores dos canais de cálcio são particularmente úteis no controle de crises de cefaléia em salvas intratáveis.
Pacientes não aderentes ao tratamento das crises ou ao profilático são comuns. Como os ataques de enxaqueca são episódicos, a motivação para tomar medicamentos diariamente pode ser baixa entre os ataques. Deve-se explicar ao paciente a importância do tratamento continuo para o sucesso no controle das crises. Ressaltar que os efeitos colaterais diminuem com o tempo também melhora a aderência.

O tratamento não farmacológico pode ser inadequado e outros fatores

Pacientes tensos algumas vezes necessitam tratamento fisioterápico (biofeedback) e terapia cognitiva e comportamental com um psicólogo.
O tratamento pode falhar se o paciente tem falsas expectativas em relação ao tratamento. Por exemplo, pacientes com cefaléia crônica diária podem achar que duas crises por mês signifiquem falha terapêutica, apesar de ser um ótimo resultado do ponto de vista médico.
A enxaqueca apresenta várias comorbidades (doenças que ocorrem associadamente em pacientes com enxaqueca numa freqüência bem maior que ao acaso). Depressão, ansiedade, doenças cerebrovasculares e epilepsia são todas comórbidas à enxaqueca. O tratamento da enxaqueca em pacientes deprimidos é bem mais complicado. O objetivo é tratar ambas as doenças com uma única droga. Os antidepressivos tricíclicos são as drogas de escolha nestes casos.

sábado, 7 de agosto de 2010

Suplementação de Vitaminas do Complexo B não Diminui Risco Vascular após AVC

Estudos epidemiológicos encontraram que há uma relação entre elevados níveis de homocisteína e doenças vasculares (AVC e infarto do miocárdio). A homocisteína é um precursor da vitamina B12 e ácido fólico. Ela tende a aumentar em casos de deficiência dessas vitaminas, particularmente do ácido fólico. A suplementação de vitaminas do complexo B e ácido fólico foram recomendadas por muito tempo para prevenir novos eventos vasculares (AVC, infarto do miocárdio ou morte súbita) em pacientes que haviam sofrido um AVC prévio e tinham elevados níveis séricos de homocisteína. Entretanto, o estudo VITATOPS (vitamins to prevent stroke)publicado online em 4 de agosto de 2010 na revista Lancet Neurology é mais um dos diversos estudos que não foram capazes de encontrar benefício na suplementação de vitaminas do complexo B para pacientes com história de AVC (mesmo quando a homocisteína está elevada). O VITATOPS é um estudo randomizado, duplo-cego e controlado com placebo (estudo com alto rigor metodológico) que icluiu mais de 8 mil pacientes de 20 países para receber uma combinação de ácido fólico, vitamina B6 e vitamina B12 ou placebo. Os pesquisadores não encontraram uma relação positiva entre diminuição dos níveis de homocisteína pela reposição vitamínica e o risco futuro de novos eventos vasculares. A falta de aderência e o segmento incompleto dos pacientes são as principais limitações desse estudo. Os autores também ressaltam que o tempo de segmento (2,8 anos) pode não ter sido longo o suficiente para dar poder estatístico ao estudo. Embora outros estudos anteriores também tenham sido negativos, ainda não se pode descartar completamente um possível efeito benéfico da suplementação vitamínica nos pacientes com homocisteína elevada até que os demais estudos sobre o assunto que estão em andamento tenham seus resultados publicados.

Momento da Cirugia de Carótidas após Ataque Isquêmico Transitório

Pacientes com ataque isquêmico transitório, uma espécie de sintoma premonitório de um AVC (acidente vascular cerebral), devem se submeter a exames de emergência (nas primeiras 24 horas do evento) para encontrar a causa do evento. Os principais fatores de risco para um AVC após um AIT incluem idade > 65 anos, pressão arterial > 140/90 mmHg no momento da admissão no hospital, presença de perda da força em um lado do corpo ou dificuldade para falar, duração dos sintomas maior que uma hora e história de diabetes. Pacientes com pelo menos 3 desses fatores apresentam alto risco para desenvolver um AVC após um AIT. Aqueles que apresentam obstrução de 70% ou mais da luz da artéria carótida interna (uma das principais artérias que levam sangue ao cérebro) devem se submeter a um procedimento cirúrgico conhecido como endarterectomia de carótida. Esse procedimento diminui significativamente o risco de futuros acidentes vasculares. Não há estudos para determinar qual o melhor momento para a realização da cirurgia, mas consensos de especialistas consideram que ele deve ser realizado nos primeiros 14 dias, e idealmente nas primeiras 48 horas, pois os pacientes com muitos fatores de risco apresentam chance relativamente elevada de ter um AVC nas primeiras 48 horas. Estimativas apontam que se a cirurgia for realizada nos primeiros 14 dias da apresentação do AIT, duzentos acidentes vasculares cerebrais são evitados para cada 1000 cirurgias realizadas. Um estudo realizado na Inglaterra e publicado na revista Lancet (Lancet. 2010;376:304) mostrou que os pacientes com AIT daquele país estão esperando mais que os 14 dias recomendados, e raramente se submetem ao procedimento cirúrgico antes de 48 horas. Apenas um terço dos pacientes fazem a cirurgia nos primeiros 14 dias e somente 3% são operados nas primeiras 48 horas. O tempo médio de espera pela cirurgia é de 28 dias. Entre as razões para o atraso na realização da cirurgia estão ausência de encaminhamento ao especialista (40%), falta de especialistas disponíveis ou salas cirúrgicas (18%), recusa do paciente (18%) e falta de equipamentos de imagem para diagnosticar a lesão da carótida (9%). Esses números são alarmantes, principalmente por se tratar de um país desenvolvido. Em nosso meio, em que a organização dos serviços de saúde é muito inferior aos da Inglaterra, os dados são inexistentes, mas não há razões para acreditar que nossa realidade é diferente.

Uma Esperança aos Portadores de Fibromialgia

Os pacientes com fibromialgia sofrem de terríveis dores musculoesqueléticas em vários locais do corpo, causando grande sofrimento. Muitos deles também tem sintomas de depressão. Entretanto, não se sabe se a fibromialgia é causada pela depressão, ou se a depressão é consequência da dor crônica. Como a maioria dos exames realizados é normal, muitos médicos têm dificuldade de acreditar no caráter orgânico da doença. Com isso, muitos pacientes são encaminhados ao psiquiatra ou têm a existência das queixas questionadas. Um grupo de pesquisadores da Universidade de Harvard publicou um estudo na revista médica Arthritis and Reumathology (Arthritis Rheum. 2010;62:2545-2555) medindo a atividade cerebral de pacientes com fibromialgia através de técnicas específicas de ressonância magnética funcional. Os pacientes com fibromialgia apresentam mais conexões com as áreas do cérebro responsáveis pelo processamento da dor, particularmente o córtex da ínsula. De acordo com os pesquisadores, esses achados podem ser importantes para provar a natureza orgânica da fibromialgia e são uma esperança para que futuras pesquisas possam encontrar um tratamento mais efetivo para a doença.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Baixos níveis de vitamina D podem aumentar risco de doença de Parkinson

Em um estudo longitudinal publicado na revista Archives of Neurology (Arch Neurol 2010;67:808-811) que acompanhou mais de 3000 pessoas durante 29 anos, investigadores finlandeses identificaram uma associação entre baixos níveis de vitamina D e aumento da incidência de doença de Parkinson. Acredita-se atualmente que a vitamina D é muito mais que uma vitamina, tendo também funções hormonais muito além de regular a absorção do cálcio e a saúde óssea. Os investigadores dosaram os níveis séricos de 25 hidroxi-vitamina D e notaram que aqueles pacientes com níveis séricos acima de 50 nmol/L tinham 65% menos risco de desenvolver Parkinson que o grupo com vitamina D menor que 25 nmol/L. Os pesquisadores admitem que o mecanismo pelo qual a vitamina D protege contra o desenvolvimento da doença de Parkinson é desconhecido, embora postula-se que ela tenha efeitos neuroprotetores. As principais limitações do estudo incluem o número relativamente pequeno da amostra, a dosagem isolada da vitamina D apenas no ínicio do segmemento, informação limitada sobre a ingesta dietética de vitamina D dos participantes, ausência de padronização diagnóstica para a doença de Parkinson e presença de fatores residuais que podem confundir a relação entre vitamina D e Parkinson. Outras doenças que estão sendo ligadas a baixos níveis de vitamina D são esclerose múltipla e doença de Alzheimer. Entretanto, antes de considerar a vitamina D como a solução dessas doenças, outros estudos são necessários para esclarecer se realmente há uma relação de causa-efeito entre deficiência de vitamina D e Parkinson e se a suplementação dessa vitamina exerce qualquer efeito benéfico na prevenção e no tratamento do Parkinson.

domingo, 1 de agosto de 2010

Acupuntura para Lombalgia

Dor lombar crônica ou Lombalgia crônica é um dos sintomas mais comuns nos consultórios médicos. O diagnóstico da causa pode ser desafiador. As diretrizes clínicas do Colégio Americano de Médicos e da Sociedade Americana de Dor recomendam que os médicos considerem a acupuntura como uma das opções para o tratamento da lombalgia refratária, porém sem evidências de estudos de qualidade.
A revista New England Journal of Medicine (N Engl J Med. 2010;363:454-461) publicou uma revisão sobre as evidências atuais sobre o uso da acupuntura para o tratamento da dor lombar crônica. Embora existam várias teorias para o mecanismo de ação da acupuntura para o alívio da dor, seu mecanismo exato ainda é desconhecido. O artigo ressalta que ela não é considerada o tratamento de primeira escolha para lombalgia crônica, pois não há comprovação de sua eficácia em estudos clínicos controlados e as metanálises realizadas até o momento não encontraram benefício adicional quando a acupuntura tradicional foi comparada com tratamento similar com agulhas sem obedecer os pontos característicos da acupuntura, levantando questionamentos sobre um possível efeito placebo para o alívio da dor. Entretanto, os autores ressaltam que a acupuntura pode ser usada como parte de uma abordagem multidisciplinar (analgésicos, exercícios físicos e fisioterapia). As sessões podem ser feitas duas vezes por semana nas primeiras 4 semanas, diminuindo para uma sessão por semana até completar 10 a 12 sessões. O tratamento deve ser interrompido se não houver benefício após 12 sessões. Não há efeitos adversos sérios associados com a acupuntura. Dor e hematomas no local da inserção das agulhas, náuseas e vômitos, tonturas e desmaios ocorrem em menos de 0,1% dos pacientes.

sábado, 31 de julho de 2010

Fenômeno do Sono Ligado ao Desenvolvimento Futuro de Parkinson

O distúrbio comportamental do sono REM, uma condição caracterizada por ausência da atonia muscular generalizada que caracteriza a fase do sono associada com movimentos oculares rápidos (sono REM), pode ocorrer até 50 anos antes do surgimento de doenças neurodegenerativas caracterizadas pelo acúmulo de alfa-sinucleína nos neurônios (sinucleopatias). Dessas doenças, a mais comum é a doença de Parkinson, mas também pode preceder a demência por corpos de Lewy e a atrofia de múltiplos sistemas. Os pacientes com distúrbio comportamental do sono REM apresentam comportamento violento durante o sono, muitas vezes causando lesões para eles mesmos ou para os companheiros de cama. Isso ocorre porque os movimentos, geralmente inibidos pela atonia do sono REM, estão liberados pela perda da atonia. Consequentemente, os pacientes materializam o conteúdo dos sonhos. Já se conhecia a associação entre distúrbio comportamental do sono REM e sinucleopatias, mas o artigo publicado na revista americana Neurology, acompanhado por um editorial (Neurology 2010;75:488-489,494-499), reforça que como a latência entre o surgimento do transtorno comportamental do sono REM e a doença neurodegenerativa pode ser de até 50 anos, talvez esse distúrbio do sono possa ser um marcador precoce dessas doenças. A confirmação desses achados pode ser um importante avanço, principalmente quando uma estratégia neuroprotetora efetiva esteja disponível, já que ela poderá ser iniciada muitos anos antes das primeiras manifestações clínicas da neurodegeneração. Por razões desconhecidas, a associação entre distúrbio comportamental do sono REM e Parkinson é muito mais forte em homens do que em mulheres.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Cefaléia Crônica Diária

01. O que é cefaléia crônica diária?

É uma dor de cabeça que ocorre todos os dias ou quase todos os dias (pelo menos 15 dias por mês) por mais de 3 meses.

02. Qual a frequência dessa cefaléia na população?

Estudos epidemiológicos apontam que 3 a 5% da população adulta mundial sofre de cefaléia crônica diária importante o suficiente para causar algum tipo de incapacidade. Cefaléia crônica é a segunda causa mais comum de consulta neurológica ambulatorial, perdendo apenas para os transtornos do humor, como depressão e ansiedade.

03. Quais são os tipos de cefaléia crônica diária?

Existem quatro formas mais comuns de cefaléia crônica diária: enxaqueca transformada, cefaléia tipo tensão crônica, cefaléia nova diária e persistente e hemicrânia contínua. Sem dúvida nenhuma enxaqueca transformada e cefaléia tipo tensão crônica são as mais comuns.

04. E quais são os fatores de risco para esse tipo de cefaléia?

Sexo feminino
Abuso de analgésicos
Depressão
Ansiedade
Obesidade
Consumo exagerado de cafeína

05. O que é enxaqueca transformada?

Dores de cabeça em caráter diário ou quase diário (mais de 5 vezes por semana) que podem ter evoluído de uma enxaqueca de manifestação episódica. É exatamente isto! A enxaqueca que se apresentava em crises intensas, mas com intervalos sem dor, passa ao longo do tempo a se apresentar todos os dias! Muitos pacientes apresentam a dor diária sem aquelas características associadas (tais como enjôo, vômitos, intolerância à claridade, ruídos e odores) da crise de enxaqueca ou com estes sintomas revelando-se de intensidade mais leve e chamando menos a atenção do paciente. Essa dor diária assemelha-se, em termos de apresentação clínica para o paciente e para o médico, a uma dor de cabeça do tipo tensional e freqüentemente confunde o médico não acostumado, fazendo-o pensar em uma dor de cabeça puramente do tipo tensional. Entretanto, e isto deve ser mais uma vez enfatizado, a própria enxaqueca quando evolui para apresentação diária, perde várias de suas características e assume uma intensidade mais leve com menos sintomas associados.

06. Qual a diferença entre a enxaqueca comum e a enxaqueca transformada?

A enxaqueca comum é esporádica, ocorre apenas algumas vezes por mês ou algumas vezes por ano. Ela geralmente é intensa e se acompanha de náuseas ou vômitos, fotofobia e fonofobia, piora com atividade física rotineira como caminhar ou subir escadas e geralmente melhora com o uso de analgésicos como antiinflamatórios e triptanos. Já a enxaqueca transformada é uma cefaléia crônica, ocorrendo quase todos os dias, menos intensa e que não responde aos analgésicos, podendo inclusive ser induzida ou piorar com o uso frequente e crônico de analgésicos.

07. Há necessidade de algum exame de imagem da cabeça?

Somente 1% dos pacientes que tem cefaléia crônica com exame neurológico normal vão apresentar algum problema importante na cabeça e somente 1 em cada 1000 pacientes terá alguma doença tratável cirurgicamente. Portanto, exames de imagem devem ser evitados, principalmente a tomografia de crânio, que tem uma dose elevada de radiação.
Alguns sinais ou bandeiras vermelhas são tidos como razões para solicitação de exames de imagem ou investigações mais aprofundadas em pacientes com cefaléia:
• Cefaléia iniciando após os 50 anos de idade (tumores, arterite temporal).
• Cefaléia intensa de início súbito (hemorragia subaracnóide, encefalopatia hipertensiva).
• Aumento da freqüência e da severidade das cefaléias (tumores, outras lesões em massa).
• Cefaléia em pacientes com fatores de risco para HIV (linfoma primário do sistema nervoso, neurotoxoplasmose, meningite criptocócica e outras doenças oportunistas).
• Cefaléia em pacientes com câncer (metástases meníngeas ou parenquimatosas).
• Cefaléia acompanhada de febre e rigidez de nuca e confusão mental (meningites, encefalites, abscessos).
• Presença de secreção nasal purulenta e sinais de gripe (sinusite)
• Presença de hipertensão arterial (encefalopatia hipertensiva, AVC isquêmico ou hemorrágico, feocromocitoma).
• Presença de papiledema (tumores, neurite óptica, hipertensão intracraniana benigna).
• Presença de hemorragia sub-hialóide da retina (hemorragia subaracnóide).
• Presença de paralisia do III par (aneurisma de comunicante posterior, herniação de uncus incipiente).
• Ausência de reflexos fotomotor e consensual (neurite óptica).
• Presença de oftalmoplegia (fístula carótido-cavernosa, síndrome de Tolosa-Hunt, tumores da órbita).
• Presença de outros sintomas neurológicos focais como hemiparesia, afasia, ataxia, dismetria, ausência do reflexo córneo-palpebral, etc (lesões em massa).
• Presença de neurofibromas (tumores intracranianos da neurofibromatose)
• Cefaléia no contexto de trauma de crânio (hematomas, infecções).

08. Qual o tratamento da cefaléia crônica diária?

A primeira e mais importante medida é parar de tomar todos os analgésicos. As únicas medicações permitidas para o alívio da dor são os AINE. No início as dores vão piorar, mas após alguns dias os pacientes já notam melhora significativa da frequência e severidade da dor de cabeça. Concomitantemente, os pacientes devem usar uma medicação preventiva de dor. Os antidepressivos tricíclicos, alguns anticonvulsivantes e a toxina botulínica são os medicamentos mais eficazes na prevenção de recorrência das dores.

09. Quais as complicações dos pacientes não tratados e diagnosticados adequadamente?

Piora da qualidade de vida, depressão, ansiedade por achar que tem uma doença grave na cabeça e perda de produtividade no trabalho ou escola. Portanto, se o telespectador tiver 3 ou mais cefaléias por semana, tomar analgésicos quase todos os dias para dor de cabeça ou a dor estiver ficando cada vez pior, procure um neurologista rapidamente.

10. Quais os seus conselhos para os pacientes que sofrem desse tipo terrível de cefaléia?

Parar imediatamente o uso abusivo de analgésicos para a dor.
Procurar um neurologista de confiança para iniciar um tratamento preventivo eficaz
Implementar um programa de mudança do estilo de vida que inclui a prática de atividade física rotineira, dieta saudável, perda de peso, sono adequado e técnicas de relaxamento.

Síndrome das Pernas Inquietas

01. O que é síndrome das pernas inquietas?

A síndrome das pernas inquietas é uma doença neurológica que se caracteriza por uma sensação desagradável nas pernas, e menos frequentemente, nos braços que causa uma necessidade quase irresistível de se movimentar para obter alívio dos sintomas. A sensação desagradável é descrita pelos pacientes como formigamento, coceira, pinicamento, dor, queimação e sensação de bichos andando dentro da perna. Apesar do nome pitoresco e de ser comum, é muito pouco conhecida da população geral e mesmo da comunidade médica em geral. Como conseqüência ela é subdiagnosticada, principalmente por não especialistas.

02. A síndrome das pernas inquietas é comum?

É extremamente comum quando comparada com outras doenças amplamente conhecidas da população. Estudos epidemiológicos apontam que a SPI ocorre em aproximadamente 5 a 15% das pessoas. A epilepsia, por exemplo, atinge apenas 1% da população e a doença de Parkinson tem incidência menor que 0.5%. A incidência da síndrome das pernas inquietas pode ser comparada com a da enxaqueca, que atinge 6% dos homens e 18% das mulheres. Um estudo realizado por nós em conjunto com alunos do curso de medicina da UEM e o departamento de Medicina da Família encontrou prevalência de 10% entre pacientes acima de 40 anos. O interessante é que nenhum dos pacientes com critérios diagnósticos para a doença tinha sido diagnosticado anteriormente, apesar da natureza crônica dos sintomas em todos eles. Portanto, a SPI é provavelmente a doença mais comum que as pessoas nunca ouviram falar.

03. Como se faz o diagnóstico dessa doença?

O diagnóstico da SPI é essencialmente clínico. O grupo de estudo internacional em síndrome das pernas inquietas estabeleceu quatro critérios diagnósticos que devem ser preenchidos para o diagnóstico:
A. Urgência em movimentar as pernas devido a sensação desagradável.
B. Início ou piora dos sintomas durante o repouso ou inatividade.
C. Alívio dos sintomas com os movimentos.
D. Piora dos sintomas ao anoitecer e durante a noite.
Os critérios diagnósticos auxiliares são:
E. Presença de movimentos periódicos durante o sono (geralmente notado pelo companheiro de cama).
F. História familiar.
G. Melhora significativa com baixas doses de agentes dopaminérgicos.

04. Há qualquer interferência com o sono?

Sim. Os pacientes com SPI têm grande dificuldade para dormir, pois os sintomas se exacerbam no início da noite e primeira metade da madrugada, interferindo diretamente na capacidade dos pacientes em pegar no sono. Isso causa insônia crônica com repercussões importantes para o funcionamento diurno. É frequente que os pacientes com síndrome das pernas inquietas se queixem de sonolência diurna, cansaço e dificuldade de concentração e memória, devido ao sono não restaurador noturno. Aproximadamente 80% dos pacientes com SPI também apresentam uma condição conhecida como movimentos periódicos dos membros durante o sono, onde movimentos involuntários de flexão do pé e perna ocorrem periodicamente a cada 15 a 40 segundos enquanto o paciente está dormindo. Esses movimentos geralmente não são notados pelo paciente e sim pelo companheiro de cama. Além disso, a ocorrência da síndrome da apnéia do sono é elevada em pacientes com síndrome das pernas inquietas.

05. Quais são as causas da síndrome das pernas inquietas?

A doença não tem uma causa definida em aproximadamente 75% dos casos, quando ela é chamada de primária. Fatores genéticos foram encontrados em pelo menos metade desses pacientes. História familiar é comum. A incidência em familiares de primeiro grau é cinco vezes maior que na população geral. Desregulação do neurotransmissor dopamina parece estar relacionada com a doença, assim como deficiência de ferro na substância negra. Cerca de 25% dos pacientes têm alguma condição ou doença que está associada com aumento de chance de desenvolvimento de SPI, incluindo anemia com deficiência de ferro, gestação, insuficiência renal crônica, diabetes, doenças da tireóide, neuropatia periférica, doença de Parkinson e uso de alguns medicamentos como antidepressivos, metoclopramida (plasil) e lítio. Os sintomas também podem ser exacerbados pela ingesta excessiva de cafeína, bebidas alcoólicas e hábito de fumar cigarros.

06. A doença somente acomete adultos?

Não. Embora a doença seja mais comum em idosos, ela também pode ocorrer em jovens e crianças.

07. Que doenças podem ser confundidas com a síndrome das pernas inquietas?

- Neuropatias periféricas são as mais difíceis de diferenciar.
- Acatisia, uma forma de agitação motora involuntária comum em pacientes que usam medicamentos para doenças mentais.
- Insuficiência vascular periférica
- Transtorno com déficit de atenção e hiperatividade em crianças

08. Qual o especialista mais indicado para o diagnóstico e tratamento da SPI?

O neurologista é o especialista mais habilitado para o diagnóstico e o tratamento. Campanhas de educação da comunidade, assim como dos médicos generalistas são fundamentais para que a doença seja mais reconhecida na população geral.

09. Que exames complementares podem ajudar no diagnóstico?

O diagnóstico da SPI é essencialmente clínico, ou seja, é feito apenas com a história e o exame físico do paciente. Alguns exames complementares são necessários para detectar a causa ou descartar outros diagnósticos diferenciais. Exames de sangue incluindo hemograma, dosagem de ferro e ferritina, função renal, função tireoidiana, magnésio, vitamina B12, ácido fólico e glicose de jejum são obrigatórios em todos os pacientes. Teste de gravidez é recomendável em mulheres, embora quando os sintomas surgem na gestação, geralmente o diagnóstico de gravidez já está confirmado. A eletroneuromiografia deve ser solicitada nos pacientes em que há suspeita de neuropatia periférica. A polissonografia é um exame do sono que pode mostrar a diminuição da eficiência do sono e a presença dos movimentos periódicos dos membros (> 5 por minuto).

10. A doença tem cura?

Depende. Se a doença for secundária a alguma outra doença, o tratamento adequado da doença de base causa desaparecimento dos sintomas. Em mulheres grávidas ela costuma desaparecer um mês após o parto.


11. Quais os cuidados não farmacológicos que os pacientes devem tomar em casa?

- massagens locais
- alongamentos
- repousar os pés em balde de água quente
- compressas geladas
- técnicas de relaxamento como meditação e yoga
- boa higiene do sono
- praticar atividade física leve a moderada.
- evitar cafeína, álcool e cigarros.
- manter atividade mental no final da tarde e início da noite.


12. Quais são os seus conselhos para pacientes que sofrem de síndrome das pernas inquietas?

Procure um neurologista de sua confiança e siga as recomendações à risca que as taxas de melhora são excelentes, com repercussão importante sobre a sua qualidade de vida.

Mitos sobre Enxaqueca

1. A enxaqueca não é uma doença grave

Ao contrário do que se imagina, a enxaqueca não é uma doença banal. Ela intefere seriamente a qualidade de vida dos sofredores. A Organização Mundial de Saúde colocou a enxaqueca entre as doenças mais incapacitantes da humanidade. Ela causa abstenção ao trabalho, diminuição da produtividade, perda de oportunidades profissionais e sociais. Em casos extremos os pacientes podem sofrer complicações médicas graves, como derrame cerebral (AVC), principalmente em mulheres fumantes e usuárias de anticoncepcionais orais.

2. Para ser enxaqueca tem que haver sintomas visuiais

A presença de aura visual como pontos luminosos ou borramento visual ocorre em apenas 15% dos pacientes com enxaqueca. A grande maioria dos pacientes não apresenta aura antes das crises.

3. Qualquer dor de cabeça é enxaqueca

Embora seja a causa mais comum de cefaléia incapacitante, a enxaqueca é apenas uma das mais de 150 diferentes formas de cefaléia catalogadas pela Sociedade Internacional de Cefaléias. Suas características mais marcantes incluem o aspecto pulsátil, uni ou bilateral, associada a náuseas e algumas vezes vômitos, sensibilidade à luz ou ao barulho e intolerância a odores fortes. Com frequência piora com atividades corriqueiras como subir escadas ou levantar peso. As dores duram de 4 a 72 horas, quando não tratadas. História familiar é muito frequente, mas não obrigatória. Em mulheres pode haver uma forte associação com as menstruações.

4. Exames de imagem são essenciais para o diagnóstico

Nos casos típicos os exames de imagem são normais e não ajudam no diagnóstico. Uma boa história clínica e um exame neurológico cuidadoso são suficientes para o diagnóstico na grande maioria dos pacientes. Os exames serão necessários apenas nos casos atípicos ou quando houver alguma anormalidade no exame neurológico. Exames de tomografia computadorizada são muito populares entre médicos e pacientes e devem ser evitados em casos típicos, pois além de serem inúteis, estão associados com elevadas doses de radiação e um risco potencial, principalmente para crianças e jovens.

5. Dor de cabeça é problema de visão

É muito comum que pacientes procurem o oftalmologista quando sentem dores de cabeça por acharem que a dor é causada por problemas de visão e sinônimo de indicação de óculos. Muitos pacientes procuram o neurologista apenas após começarem a usar óculos e descobrirem que suas dores continuam. Embora algumas doenças oculares como glaucoma e uveíte possam causar cefaléia, os defeitos de refração como mioptia, hipermetropia e presbiopia não causam cefaléia. Em casos excepcionais, principalmente em crianças, o astigmatismo pode causar cefaléia, mas que é diferente da enxaqueca.

6. Dor de cabeça crônica é sinusite

Muitas pessoas que sofrem de cefaléia crônica são diagnosticadas como portadoras de sinusite, impossibilitando o tratamento correto e aumentando o sofrimento. As sinusites crônicas raramente causam dor de cabeça. Já as sinusites agudas com frequência se associam com cefaléia, mas geralmente estão associadas com febre, obstrução nasal, descarga nasal amarelada e espessa e mal estar geral. Raramente duram mais que duas semanas, mesmo quando não tratadas. O fato de muitos pacientes com enxaqueca teram sintomas de obstrução nasal durante as crises aumenta ainda mais a confusão. A verdade é que estudos mostram que 9 em cada 10 pessoas que tem diagnóstico de sinusite para cefaléias crônicas ou recorrentes tem, de fato, enxaqueca.

7. Enxaqueca é problema do fígado

Como muitos pacientes com enxaqueca apresentam náuseas e vômitos durante suas crises e tenham gastroparesia (dificuldade de esvaziar o estômago) e associação de crises com alguns alimentos, a associação com doenças do fígado e do estômago é inevitável. Entretanto, tanto as náuseas como os vômitos e a gastroparesia são sintomas gerados pelas substâncias liberadas pelo cérebro durante a crise.

8. Analgésicos em auto-medicação resolvem o problema

Esse conceito é disseminado entre a população e é muito perigoso. Como a enxaqueca é uma doença progressiva em muitos casos, o sofredor da doença tende a abusar de analgésicos, cada vez mais fortes e com maior frequência. Essa atitude tende a cronificar a dor, causando cefaléia diária ou quase diária, causando grande transtorno e incapacidade aos pacientes. Mesmo analgésicos comuns, de venda livre nas farmácias podem causar cronificação da cefaléia. Menos de 3 meses de uso de mais de 2 pílulas de analgésicos por semana pode ser suficiente para cronificar a cefaléia. Propagandas na mídia do tipo "Tomou Doril, a dor sumiu" deveriam ser banidas. Sempre que tiver cefaléias frequentes, necessitando o uso periódico de analgésicos de qualquer tipo, procure um neurologista. Ele é o profissional mais preparado para ajudá-lo.

9. Qualquer médico irá reconhecer e tratar apropriadamente a enxaqueca

Embora seja uma doença muito comum (afeta 18% das mulheres e 6% dos homens), a enxaqueca é uma das doenças mais subdiagnosticadas da medicina. Aproximadamente 60% das mulheres e 70% dos homens com enxaqueca nunca foram diagnosticados pelos seus médicos. A falta de familiaridade dos médicos não especialistas com enxaqueca atrasa o diagnóstico e perpetua o sofrimento dos pacientes. A prática generalizada de prescrever analgésicos como sintomáticos para as dores, sem se preocupar com o tratamento profilático das crises, aumenta consideravelmente o risco de abuso de analgésicos e cronificação da dor.

Convênios são obrigados a liberar exames, procedimentos e internamentos de médicos particulares.

Você que tem um plano de saúde já deve ter tido a indicação de um médico que não é credenciado ao seu plano. O preço da consulta não é o maior fator limitante, mas sim a possibilidade de ter que fazer exames complementares caros ou internamentos. O que pouca gente conhece é que existe uma resolução do CONSU (Conselho de Saúde Suplementar), ligado ao Ministério da Saúde, que impede as operadoras de planos de saúde de negar autorização de procedimento em razão do profissional solicitante não pertencer à rede própria, credenciada, cooperada ou referenciada da operadora. Portanto, você é livre para procurar o médico de sua preferência. Caso ele não seja credenciado pela sua operadora, você paga o valor da consulta e pode fazer os exames complementares solicitados ou se internar em hospitais aos cuidados desse profissional com pagamento pelo plano de saúde. Não é incomum que as operadoras neguem a liberação de procedimentos ou internamentos a profissionais nao credenciados, mas essa ação é ilegal e deve ser denunciada. Se o seu plano de saúde não liberar algum exame ou procedimento pelo fato de o médico não ser credenciado, denuncie na promotoria pública de seu município. O link para a página da resolução que pode ser impressa e mostrada ao plano ajuda bastante na argumentação com a operadora. Exija seus direitos. Você não paga barato e ninguém está fazendo favores a você.

(http://www.ans.gov.br/portal/site/legislacao/legislacao_integra.asp?id=86&id_original=0)

Dicas para um Sono Melhor

• Exponha-se ao sol durante o dia, principalmente pela manhã (use protetor
solar).

• Mantenha um programa de exercícios físicos adequados longe do horário de
dormir (superior a 6 horas). O melhor horário para praticar exercícios é no
final da tarde. A hora da realização de exercícios é importante, pois ela se
relaciona com o seu ritmo circadiano (relógio biológico). As pessoas dormem
melhor quando a temperatura corporal diminui. Exercícios aumentam a
temperatura corporal, entretanto ocorre uma queda da temperatura após 5 a 6
horas do exercício. Isso irá coincidir com a hora de você dormir.

• Diminuir ou interromper o uso de cafeína, nicotina, bebidas alcoólicas e
outros estimulantes, pelo menos 4 horas antes de dormir.

• Evitar luzes, calor, frio e barulho excessivo no quarto. Seu quarto precisa
ser confortável.

• Não utilizar a cama para atividades diferentes de dormir, como
assistir televisão, estudar, etc.

• Tente restringir seu tempo de sono ao máximo de 8 horas por dia.

• Não fique na cama se não estiver com sono.

• Se você não conseguir dormir é recomendável levantar e realizar alguma
tarefa não estimulante até o sono aparecer.

• Evite comer excessivamente antes de dormir. Refeições leves são
recomendadas. Também não tome muito líquido após as 18 horas, pois haverá
necessidade de levantar para urinar.

• Tome um banho quente uma a duas horas antes de dormir.

• Procurar dormir e acordar sempre no mesmo horário, incluindo finais de
semana e feriados. Isso deve ser obedecido inclusive nos dias em que você
não dormiu quase nada. Sonecas durante o dia pioram o sono da noite seguinte.

domingo, 25 de julho de 2010

Uma Consulta de Convênio

Você sabe quanto seu médico ganha por seu trabalho?

Você pode imaginar que os médicos ganham muito dinheiro e são todos ricos. Isso está longe de ser verdade, pelo menos para os que tentam trabalhar honestamente. E isso certamente tem reflexos diretos na qualidade de seu atendimento. Conheça a realidade de médicos que atendem em seus consultórios particulares, pacientes dos diversos tipos de convênios e planos de saúde. Pacientes particulares são aves raríssimos nos consultórios de 97% dos médicos do Brasil. Analise os dados hipotéticos abaixo e reflita...
Considere um médico que atenda em consultório alugado simples com sala de espera e de atendimento e 2 banheiros, em prédio comercial, constitua uma pessoa jurídica para se credenciar aos planos de saúde, possua todo o equipamento necessário à sua especialidade, tenha telefone/fax/internet, uma recepcionista, faxineira e trabalhe 8 horas por dia e cinco dias por semana (40 horas semanais), atendendo quase exclusivamente pacientes de planos de saúde.
Vamos fixar o valor de R$ 42,00, proposto pelas entidades médicas nacionais, como o valor das consultas (imaginando que todas as operadoras de planos de saúde assim remunerem os médicos). Isso nem de longe representa a realidade, tendo em vista que muitos planos pagam R$ 20,00, R$ 15,00 ou menos.
Vamos considerar uma receita bruta pelo atendimento de 300 pacientes/mês (13 pacientes novos por dia com média de 30 minutos para cada paciente, tempo mínimo para um atendimento adequado). Deve-se lembrar dos retornos para análise de exames complementares ou revisão clínica que os convênios não remuneram.
As despesas serão calculadas dentro de limites mínimos, podendo ser maiores dependendo da complexidade do consultório.

RECEITA DA CLÍNICA:
Atendimento médio mensal: 300 consultas/mês
Valor global: 300 consultas x R$ 42,00 = R$ 12.600,00
Receita mensal bruta: R$ 12.600,00
Para receber esse valor o médico precisa:
1- Receber todos os atendimentos realizados no mês, sem glosas ou perdas.
2- Não ficar doente, não ir a congressos, nem haver feriados nos 22 dias úteis do mês.
3- Não haver falta de comparecimento dos pacientes. Os convênios não pagam pelo horário que o médico reservou para o paciente que faltou. Pense duas vezes antes de faltar à sua consulta sem avisar previamente.

Despesas mensais R$
01 - Aluguel do consultório: R$ 600,00
02 - Salário da secretária: R$ 600,00
03 - Salário da diarista duas vezes por semana (R$ 50,00 a diária): R$ 400,00
04 - Férias/FGTS/INSS/13 salário/vale transporte/vale refeição/sindicato/etc: R$ 600,00
05 - Condomínio (incluindo água): R$ 300,00
06 - Telefone, internet, energia elétrica: R$ 350,00
07 - Material de limpeza e banheiros: R$ 100,00
08 - INSS pessoa jurídica (pra ganhar um salário de 600 reais após 35 anos batalhando)/contador: R$ 600,00
09 - I.P.T.U mensal: R$ 45,00
10 - Depreciação dos equipamentos: R$ 100,00
11 - CRM (pessoa física + jurídica) + Sindicato dos Médicos + Sociedades de Especialidades + Corpo de bombeiros. (mensal): 150,00
12 - Assinatura de Revistas Médicas e compra de livros para atualização: R$ 150,00
13 - Participação em Congressos (apenas um por ano): R$ 300,00
12 - Despesas de gasolina + manutenção do veículo: R$ 200,00
13 - Despesas diversas não previstas: R$ 180,00
Total das despesas mensais: R$ 4.525,00

Receita mensal total: R$ 12.600,00

Despesas e custo operacional: R$ 4.525,00

Para o médico tirar um mês de férias, como qualquer outro trabalhador, ainda terá que guardar R$ 12.600,00 extras e ainda considerar que não receberá nenhuma receita nesse mês, pois não estará atendendo. Então divida R$ 12.600,00 por 12 e acrescente nos gastos mensais a quantia de R$ 1.050,00

Gastos com impostos de pessoa jurídica sobre a receita bruta (IRPJ, PIS, COFINS, ISS, CSLL) - (16,5%): R$ 2.046,00

Saldo (Receita líquida descontada despesas, custo operacional e impostos): R$ 4.979,00

Saldo: R$ 4.979,00 / 352 (pacientes novos + retornos não remunerados) = R$ 14,14 (valor líquido recebido por consulta)

Você conhece algum profissional que aceite este valor por seu trabalho, mesmo de nível técnico ou até mesmo um pedreiro ou similar (sem desmerecer nenhuma profissão, mas que demandam muito menos responsabilidade, tempo e dinheiro para formação e capacitação)????

Quanto seu salão lhe cobra para cortar seu cabelo?? Você consegueria um eletricista ou encanador para fazer um conserto simples em sua casa por R$ 14,00?

Quando calculamos o valor de R$ 14,14 não estamos considerando os custos de formação profissional como faculdade, livros, despesas de aluguel e alimentação em outra cidade (que são enormes) e o custo de oportunidade, ou seja, o dinheiro que o médico deixa de ganhar trabalhando em outras profissões enquanto empreende em sua longa formação (em média 9 anos entre faculdade e especialização). Também não estamos considerando os custos de mobília e equipamentos para o consultório. Todos as empresas consideram seu investimento de implantação para considerar o preço final de seus produtos. Afinal precisa haver retorno do investimento para valer a pena abrir o negócio em vez de deixar o dinheiro em aplicação bancária.

Somente a título de exemplo. O valor médio da mensalidade de uma faculdade de medicina particular é R$ 3000,00. Esse valor multiplicado por 12 meses e por 6 anos em uma aplicação de poupança (0,5% ao mês) daria ao final de 6 anos (período da graduação em medicina) o valor de R$ 259.226,57. Vamos considerar mais R$ 1.500,00 com despesas de aluguel, alimentação e transporte que se aplicados por 6 anos na poupança renderiam R$ 129.613,00. Somando essas quantias o médico teria 391.854,57 ao final de 6 anos. Sem contar o dinheiro que deixou de ganhar por não ter trabalhado durante esse período todo. Esse valor numa aplicação de poupança daria R$ 1959,27 ao mês com juros compostos tendendo a aumentar esse valor todo mês, sem precisar trabalhar.

CONCLUSÃO: A situação é preocupante e desalentadora. Principalmente se considerarmos que os valores das consultas médicas pagas pela maioria dos convênios são inferiores aos R$42,00 utilizados para os nossos cálculos. Isso deixa a realidade dos médicos ainda mais dramática.

Por outro lado, esse sistema perverso representa um negócio muito lucrativo para as operadoras de planos de saúde. Imagine você uma empresa que tem milhares de funcionários trabalhando para ela (os médicos) sem vínculo empregatício nenhum (médico que atende plano de saúde no consultório próprio não tem carteira assinada, não paga 13º salário nem fundo de garantia, não recolhe INSS para os funcionários, não oferece vale transporte ou plano de saúde, licença médica, etc). Essa empresa também não gasta com aluguéis ou compra de prédios, mobília, luz, telefone e toda sorte de despesas que a maioria das empresas tem para poder funcionar, pois terceiriza o atendimento no consultório particular do médico.

Desta forma, é extremamente urgente que você comece a refletir imediatamente sobre o sistema de saúde privado no Brasil (do qual pode depender a sua saúde, se você for um cliente de algum plano privado de saúde). O que você acha de confiar a sua vida a um profissional que está recebendo R$ 14 reais por uma consulta. A sua saúde e a sua vida valem tão pouco? A qualidade dos serviços prestados está em cheque e cada vez está mais difícil a permanência dos profissionais mais qualificados no sistema.

O problema não é exclusivo de seu médico. Ou você luta para mudar essa triste realidade ou arrisca encarar a lei da selva do "salve-se quem puder"...

Desafios para o tratamento da epilepsia no Brasil.

O Brasil tem vários problemas que o colocam em posição desfavorável para enfrentar os desafios impostos pela epilepsia. Além da alta prevalência da doença, sobretudo nas classes sociais mais carentes da população, o sistema de saúde pública é desorganizado e ineficiente, o acesso dos pacientes ao atendimento especializado é difícil e demorado, os profissionais de saúde são mal remunerados, as instalações da maioria dos serviços de saúde pública são deficientes e mal equipadas e o nível cultural da população é extremamente baixo, dificultando o diagnóstico e a aderência ao tratamento. Além disso, há um evidente conflito de interesse público-privado, onde a ausência de um regime de dedicação exclusiva e remuneração justa na saúde pública faz com que os mesmos médicos que atendem no sistema público também trabalhem no privado, não havendo nenhum interesse de que o serviço público seja de qualidade, já que isso significaria uma migração significativa de pacientes das clínicas privadas para o sistema público.
Enquanto a maioria das cidades brasileiras não tem sequer um único neurologista, as que contam com esses profissionais enfrentam a barreira da falta de estrutura e do uso equivocado dos recursos públicos, fazendo com que os profissionais sejam mal remunerados, desestimulados e não tenham acesso a programas de reciclagem contínua. Isso torna os empregos públicos pouco atraentes aos especialistas, fazendo com que a grande maioria dos pacientes sejam tratados por clínicos gerais recém-formados nos postos de saúde e nas emergências dos hospitais. Devido às profundas deficiências do ensino médico no país, infelizmente os médicos generalistas nem sempre têm o treinamento mínimo para diagnosticar e tratar pacientes com epilepsia.
O diagnóstico da epilepsia se baseia em minuciosa conversa com o paciente, familiares e testemunhas das crises, além de exame físico completo, quase nunca possíveis nas sempre abarrotadas unidades de saúde pública. Além disso, ele se apóia fortemente em dados obtidos através de exames complementares. Dois deles são fundamentais na grande maioria dos pacientes, o eletroencefalograma (EEG) e a ressonância magnética (RM) do encéfalo. Infelizmente, a grande maioria dos pacientes do SUS não tem acesso rápido a nenhum desses exames. A RM é raramente conseguida, com a alegação de que a tomografia computadorizada (TC) é suficiente como método de neuroimagem. Sabe-se que a TC não é sensível para o diagnóstico de muitas causas de epilepsia. Nos poucos pacientes que conseguem acesso à RM, encontra-se a barreira dos equipamentos obsoletos e a utilização de protocolos inadequados para o estudo da epilepsia. Quando o EEG é realizado, geralmente os resultados são duvidosos, pois muitas vezes os exames são realizados por profissionais não especialistas sem familiaridade com a interpretação dos complexos exames eletroencefalográficos. Conseqüentemente, é comum a interpretação equivocada dos traçados, levando ao diagnóstico incorreto da epilepsia em pacientes não-epilépticos, com grande repercussão psicológica e social para os pacientes e elevado peso econômico para o país. Além disso, a grande maioria das emergências e unidades de terapia intensiva públicas e privadas do Brasil não têm EEG disponível, fazendo com que as manifestações atípicas da epilepsia permaneçam amplamente subdiagnosticadas e não tratadas, aumentando significativamente os custos ao sistema de saúde.
Após enfrentar todas essas dificuldades, não é de se espantar que nas estatísticas mais otimistas, aproximadamente 50% dos pacientes com epilepsia são tratados incorretamente e 20% sequer são diagnosticados e tratados. Sem falar dos incontáveis pacientes que são incorretamente tratados como epilépticos, sem ter a doença. A falta de recursos faz com que os medicamentos disponíveis gratuitamente na saúde pública sejam os mais baratos e associados com efeitos colaterais mais intensos, muitas vezes intoleráveis e prejudiciais ao paciente, com conseqüências imensuráveis, sem falar nas elevadas taxas de descontinuação e insucesso terapêutico. Apesar da comprovação científica a favor da monoterapia (uso de apenas um medicamento) para o tratamento da maioria dos pacientes com epilepsia, é comum que pacientes epilépticos com controle inadequado das crises recebam uma combinação de várias drogas anticonvulsivantes em subdoses, complicando ainda mais o controle das crises, os efeitos colaterais e, conseqüentemente, a aderência ao tratamento, além de aumentar desnecessariamente os custos. A popularidade da politerapia “irracional” no Brasil tem várias possíveis explicações, tais como ausência de especialistas com treinamento adequado em epilepsia, pouco ou nenhum conhecimento em epilepsia dos médicos generalistas, exíguo tempo da consulta médica, precária relação médico-paciente, baixo nível cultural dos pacientes, indisponibilidade de exames diagnósticos apropriados e falta de acesso às drogas com menos efeitos colaterais.
Outro tema que deve ser destacado é o das epilepsias refratárias ao tratamento medicamentoso. Aproximadamente 40% dos pacientes não alcançarão controle das crises, mesmo usando doses adequadas de um anticonvulsivante corretamente indicado. Pelo menos metade desses pacientes são potenciais candidatos ao tratamento cirúrgico da epilepsia, com chance de cura em até 60% deles. Entretanto, o sucesso da cirurgia depende da identificação precoce dos pacientes refratários e da disponibilidade de centros especializados em epilepsia para a localização do foco epiléptico e sua ressecção. As limitações do sistema de saúde já citadas tornam muito difícil o reconhecimento precoce dos pacientes refratários e faltam centros especializados em tratamento cirúrgico da epilepsia em todas as regiões do país. Isso faz com que milhares de pacientes candidatos à cirurgia sequer tenham a chance de ser beneficiados e tenham sua qualidade de vida extremamente comprometida, sem contar os gastos públicos com auxílios-doença e aposentadorias que poderiam ser muitas vezes evitados. Outros tratamentos reconhecidamente efetivos para epilepsia refratária em casos selecionados como dieta cetogênica e estimulação do nervo vago são praticamente inacessíveis para a grande maioria da população brasileira.
Temos muito que avançar na abordagem da epilepsia no Brasil. Pela alta frequência da doença na população e suas terríveis conseqüências médicas, socioeconômicas e psicológicas para os pacientes e para o país, é urgente que se organize um sistema eficiente de atendimento para minimizar esse enorme problema de saúde pública. É lamentável que algumas doenças como a infecção pelo HIV ou os programas de transplante de órgãos recebam tantos recursos públicos e funcionem como vitrine até internacional para o SUS, enquanto as epilepsias e tantas outras doenças neurológicas fiquem completamente esquecidas pelo sistema público de saúde brasileiro.